Consagração

“Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria.” (S. Luís Maria G. de Montfort)

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Como não sei, Senhora, erguer-me além de mim,
e o que sou me encaminha a um mísero porvir;

como trilhar sozinha o labirinto horrendo
de cada dia é atalho a terminar perdendo

o fio da meada, como o já perdi
seguidas vezes; como hei de ceder, enfim,

ao pesadelo, se não me livrar de mim,
entrego-me, Senhora, inteira aos pés de ti:

o que tenho, o que sou, o que faço, este canto,
tudo depositado sob o casto manto,

para que tu defendas contra o mal da morte
e da aniquilação. Teu poderoso norte

ostenta sobre a nossa procissão de cruzes
a luz esperançosa com que tu conduzes

as almas mais penosas à conciliação
com a verdade encarnada no teu Coração.

Serás Senhora minha, e eu, se tua escrava
souber – ventura minha! – ser, livre das garras

do mundo em mim, Senhora, então serei feliz
como o só é quem já não é mero aprendiz

da anatomia de teu seio lacerado,
dor que alivias na dureza de teu fardo,

tu que doendo sabes transcender a dor,
compadecendo-te de toda dor maior

(como se houvesse alguma comparável à tua;
nem à Dele, talvez – que Ele era Deus e tu uma

frágil mulher, calada sempre, e torturada).
Senhora minha, dou-te algumas poucas lágrimas

com que aliviares os pesares do jardim
do mundo, que te espera, às voltas com seu fim.

Bem sei que não mereço interagir com a Graça,
mas cega entrego-te tudo o que, em teu regaço.

pode alcançar a altura do amor de teu Filho,
Ele o Rei Redentor, a Verdade e o Caminho.

Intercede por nós, Senhora, medianeira,
empresta-nos tua luz, para que se pareça

nossa infinita pequenez com tua realeza
e o Pai tenha misericórdia e o Filho esqueça

nossa impostura diante de tua casta imagem.
Em ti, Senhora, todos os nós se desfazem;

conciliadora, tu reúnes sob o facho
de luz de teus olhos maternos nossos passos

e pacificas mesmo o que não se alivia,
como a dor que arde em ti. Pois eis-me aqui; envia-me.