Texto originalmente publicado no Facebook, em maio de 2017.
Existe um certo glamour em torno da gravidez. Com nossas incontáveis fragilidades, nosso paladar alterado, nossos hormônios loucos e, é claro, a presença opressiva de nosso ventre planetário, as grávidas acostumamo-nos a ser tratadas como seres especiais. (É claro que você também pode estar numa plataforma de metrô às seis da tarde e ninguém olhar para a sua cara, muito menos para a sua barriga, mas, via de regra, o tratamento especial existe, sim.) Por nove meses. Depois, o bebê nasce, o sapatinho de cristal fica na escadaria do castelo e a gata borralheira reaparece atrás de olheiras e cheiro de leite azedo. Não tem jeito.
Lembro do domingo em que a Maria nasceu. Lembro da vaga sensação de estar sentada numa praia que em breve seria atingida por um tsunami. Lembro de saber que seria um tsunami. E foi. E, como um país de terceiro mundo, até hoje não me reconstruí totalmente. Ainda existem marcas de lama e restos de sargaços por todos os cantos.
E um segundo tsunami a caminho. Ou talvez a imagem já não funcione tão bem. Tenho motivos para crer que nosso segundo filho não tem tanto a missão de destruir edificações obsoletas (do ponto de vista emocional, espiritual, moral…), como hoje sei que nossa filha Maria teve. Ele também não vem solucionar nem remendar nada; não foi o filho encomendado “para dessa vez dar certo” (quem quiser referir-se a ele assim não imagina o tamanho de seu equívoco). Não foi um filho “acidental” nem “planejado”, pois essas são categorias que não se aplicam quando você acredita – como nós acreditamos – que o sentido de uma família é crescer. É simplesmente o nosso segundo filho, nosso passo adiante.
Nunca voltarei a ser a pessoa de antes do tsunami. Quem desejaria sair ileso de uma experiência tão extrema? Quem desejaria anestesiar as próprias contrações? – Muita gente, eu sei, mas não eu. Espero ansiosamente pelas dores na lombar. Qual mundo se desvelará depois delas, com a chegada do novo serzinho de nome João, só Deus sabe. Eu, por ora, me contento com a certeza de que vai ser o melhor dos mundos possíveis, confiando na Providência que nunca me desamparou.