Domingo

“Não é fogo legítimo essa chama,
como é falso e forjado aquele mármore;
o que brilha no altar é luz de lâmpada;

não se sabem os frutos pela árvore?”
É o que penso, diante da coluna
de cimento, pintada como mármore,

sustentando, entre outras, a fortuna
espiritual nos vácuos dessa igreja.
Ver as coisas de Deus em forma humana,

tantas fachadas, ritos — não que seja
má em si a presença do sensível
germinando entre o bem que a alma enseja,

e também, de que modo, que intangível
entidade oferece-se a que entenda-a
a humana razão, sem a carne viva

de algo como esta igreja? Esta tenda,
circundada de espinhos e deserto,
fosse ela só espírito, a contenda

por que veio sofrer seria um incerto
jogo de luz e sombra, nulo aos homens.
Vejo aqui deste banco bem de perto

como é frágil a estrutura, como somem
ofuscados por cores e tamanhos
os dois olhos de Deus, sem cor, que luzem.

Ou talvez são os meus que, em meio ao sonho
impregnante do mundo como ideia,
não conseguem senão ver quanto é estranho

ter a carne do eterno entregue em ceia
à manada inclemente, que tem fome
de sofrer e que sofre nessa teia

asquerosa, sem mal saber-Lhe o nome.
É hora da comunhão, que longa fila,
pedem as almas sofridas que Ele as dome.

Eu não vou até lá. Não estou tranquila,
ou serena que possa receber
em meu corpo este Corpo. Se vacila

minha fé, é que os olhos sabem ver
melhor que o coração sabe entregar
suas correntes à redenção no Ser.

E, no entanto, percebo quanto há
de amor puro, de pura expectação
nessas faces cansadas que Ele dá

à luz, não porque saibam de antemão
compreender o mistério que as consome,
mas por somente ansiarem a exaustão

no calor dessa luz, que aos olhos some.

 

In: L.M.C. O Corpo Nulo. Mondrongo, 2015.

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