Ele

“O que mais te encanta nela?”, perguntaram. “O cuidado que ela tem com os nossos filhos”, foi a resposta, contrariando as minhas mais automáticas expectativas.

Engoli seco, redobrada a consciência da minha responsabilidade. E me pus a pensar no peso dessa pequena palavra: cuidado…

Me veio ao coração uma memória do nosso primeiro mês de namoro: ele se ofereceu para passar as noites no hospital com o avô doente. Ninguém lhe pedira, e na fila de convocados estava longe de ser o primeiro, entre tantos filhos e tantos outros netos. O próprio avô já estava inconsciente havia meses.

Ele saía do trabalho e ia dormir numa cadeira ao lado do leito hospitalar. Foi dali que, numa manhã, fez-se presente no momento em que o avô partiu. Cumpriu sua missão sem alarde, sereno.

Eu, que acabara de conhecê-lo, fiz memória daquele fato, que depois se desdobraria em tantos outros ao longo da nossa vida conjugal. Ali estava um homem disposto a cuidar e a sacrificar-se. Filha de mãe solteira, eu desconhecia o que fosse aquilo.

Jamais me faltaram pretendentes, embora todos buscassem antes a carcaça literária que, não tem jeito, me coube arrastar por essa vida. Não estavam dispostos – era óbvio – a descobrir a lesma fria e pegajosa sob a couraça dos textos, das ideias e dos livros. E não tardariam a queimá-la com o sal do desprezo…

Já ele, desde o início, me obrigou à apresentação mais desarmada. Sobreviveu, impávido, às minhas lágrimas e cenas; sempre demonstrou o mais amoroso orgulho dos meus poemas e foi, com simplicidade, jamais com afetação, meu comparsa nas ideias.

Eu cuido dos filhos dele como quem, para viver, respira. Ele me ensina a cada dia que a entrega por amor é a maior das alegrias.

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