Noturno na Noite de Natal

Persigo a cada conta do rosário
o peso e a paz do sono.
Não basta transbordarem os olhos rasos
da dor que não se conta,
nem faz lá diferença estar cansado
há dias nesse encontro
da fé com o desespero e o desamparo;
a luz, se não desponta
em certos indefesos descampados
marcados pela sombra
venial, capaz de encher todos os mares,
não regará os escombros
de dons desperdiçados, faltas graves.

Recorro às asas mudas do rosário
como à luz de uma vela
quando eis a escuridão de lado a lado;
são mudas pois severas
em sua fixidez de candelabro,
mas mesmo sendo pedras
são leves e intangíveis como as asas
do colibri mais breve,
desfazem-se entre os dedos que as abrasam
rogando por que empreguem
seu basto poderio, as rubras achas
que queimam o que libertam
e tornam em luz maior a cinza escassa.

Tremendo e suplicando, encontro a chave
ao sono que se aninha
entre os braços da Cruz que a Mãe chorava.
As horas de agonia
que ela regou com lágrimas suaves
vêm dar consolo à minha
desolação na noite que se acaba
entre o horror da visita
de um medo sem objeto e um amor que indaga
qual dor há nessa vida
não seja mera sombra dessa chaga
muito mais dolorida
quanto mais de outro mundo e solitária.

 

In: L.M.C. O Corpo Nulo. Mondrongo, 2015.

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