Esses dias, briguei com meu marido (e ele comigo). Tivemos dessas discussões repletas de silêncios e meias palavras, de que, no entanto, saem ambas as partes cheias de mágoas profundas.
Fomos dormir brigados e, no dia seguinte, como não podia deixar de ser, mantive meu silêncio de túmulo. Calar é meu movimento involuntário nessas ocasiões; é mais fácil do que lidar com o problema e permite, à mulher injustiçada, saborear mais intensamente a raiva e a autocomiseração.
Fiz como todas: brigando com ele mentalmente, engolfando-o entre os tentáculos de uma argumentação avassaladora, fui colocar roupa na máquina.
A cada meia, um xeque-mate; a cada camisa social, um mata-leão retirado diretamente dos manuais de retórica feminina.
O clímax da anedota veio quando, checando os bolsos de uma de suas calças, senti dois objetos pequenos – em verdade, minúsculos. Segure a respiração, leitor: nem previsíveis moedas, nem isqueiros proibidos, eram apenas um bago de feijão cru e um pedacinho de plástico partido.
Não levei, para compreender, nenhum segundo a mais do que para ver. Não eram objetos aleatórios, eram, sim, fragmentos do nosso cotidiano, carregados de significado.
Pude vê-lo ali, dando conta das três crianças, enquanto eu lidava com o mundo explodindo dentro da tela do meu computador; pude vê-lo distraindo os mais velhos com uma das mãos, enquanto a outra catava do chão as miudezas que colocam em risco a vida da bebê.
O feijão e o plástico eram aquele meu marido explosivo e afogueado protegendo a vida da nossa bebê.
Fui, de súbito, desarmada por aquele pescotapa inteiramente imprevisto. À noite, durante o jantar, já estava mais mansa – o que consegui a custo disfarçar.
E no dia seguinte permiti que ele me pedisse desculpas.