— Num romance de moldes tolstoianos, vocês são o casal «fugere urbem», que corta todos os vínculos com o sistema social para cultivar a liberdade do espírito nas montanhas, enquanto nós ficamos aqui, atados à selva de pedra, lutando contra dragões que no máximo tomam a forma de chefes ou de parentes.
Mais de uma vez falei assim à minha comadre (tenho outras, mas ela é a primeira em ordem cronológica). A vida imita a arte, dizemos, embora seja apenas um limitadíssimo chiste.
Jamais teremos a visão completa do intrincado sistema de protagonismos com que Deus compõe o Grande Enredo da vida humana. E é decerto mais feliz e mais serena a trajetória daquele herói que não precisa desgastar-se pesando seu próprio papel em referência aos de seus pares.
(Minha memória animal, nesse momento, traz à tona as mônadas de Leibniz; por sorte, livra-me do risco de tentar compor um pensamento a lembrança mais substantiva das conversas universitárias com minha comadre.)
Era uma vez um erudito — o último de sua espécie, aqui nas terras de Banânia. Nadou a braçadas na poesia de todos os tempos, respondeu aos grandes, foi chorar pitangas à matemática. Enquanto isso, o rapaz magro, de semblante insuportavelmente triste, enxergava com os olhos da moça cega. Tirou o país do analfabetismo: sua fala pausada perturbava o sono de muitos, que ao fim e ao cabo acordaram. Por sua vez, o filho de hippies, que empreendeu desde o próprio quarto adolescente e tornou-se magnata da tecnologia, protagonizou enredo sobre procurar o amor (e achá-lo). Até que, numa nota mais mística, conferindo à obra um acabamento em tom de mistério, surge a moça a quem Deus deu todos os dons: inteligência, virtude, beleza. Espécie de sacerdotisa?
O moço loiro se casou comigo, que talvez nem tenha entrado na história. O poeta segue sempre à margem, escondendo seus cancros sob piruetas e notas de cítara. Não deixa de ser uma posição confortável.
Meus amigos vieram de muito longe: não bastam anos para medir a distância que percorremos. Juntos, apartados; necessariamente solitários. Vou terminar o texto, antes que não resista e use para metáfora as mônadas de Leibniz.